No artigo que segue, o Padre John Flader responde a uma pergunta sobre a antiga celebração da Festa da Circuncisão de Cristo, antes celebrada em 1º de janeiro, e a transição para a Solenidade de Maria, Mãe de Deus. Com riqueza de detalhes históricos, bíblicos e teológicos, ele explica o simbolismo e a importância deste evento na vida de Jesus e na história da salvação. Convidamos você a explorar essa resposta profunda e esclarecedora, que ilumina aspectos da tradição e do calendário litúrgico da Igreja.
Pe John Flader, Catholic Leader | Tradução: Equipe Instituto Newman
Entrevistador: Se bem me lembro, anos atrás celebrávamos a festa da circuncisão de Cristo no dia de Ano Novo. Agora celebramos nesse dia a festa de Maria, Mãe de Deus. Você pode me dizer por que comemoramos a circuncisão e quando e por que a mudança foi feita?
Pe John Flander: Como você disse, em 1º de janeiro costumávamos celebrar a festa da circuncisão de Nosso Senhor. Esse era um dia apropriado para a celebração litúrgica desse evento porque, uma semana após o nascimento, toda criança judia do sexo masculino era circuncidada e recebia um nome.
São Lucas descreve esse fato: “Depois que se completaram os oito dias para ser circuncidado o Menino, foi-lhe posto o nome de Jesus, como lhe tinha chamado o anjo, antes que fosse concebido no ventre materno” (Lc 2, 21).
A circuncisão de Cristo tem uma origem e um simbolismo interessantes. Ela remonta à época de Abraão, por volta de 1900 a.C. O livro de Gênesis registra que, quando Abraão tinha 99 anos de idade, Deus fez uma aliança com ele, prometendo multiplicar sua descendência e dar-lhes a terra de Canaã como possessão eterna.
Foi no momento em que Deus mudou seu nome de Abrão para Abraão (cf. Gn 17, 1-8), dizendo :
Eis o pacto, que haveis de guardar, tu e a tua posteridade, depois de ti: todo o varão será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio, e este será o sinal da aliança entre mim e vós. O menino de oito dias será circuncidado entre vós, nas vossas gerações: os escravos, tanto o escravo (nascido em casa), como o que comprardes, mesmo que não seja da vossa linhagem, serão circuncidados. Este meu pacto (será marcado) na vossa carne para (sinal de) aliança eterna (Gn 17, 10-13).
Desde então, como sinal da aliança, toda criança do sexo masculino era circuncidada no oitavo dia após seu nascimento, e isso se tornou o meio de incorporação ao povo da aliança, assim como o batismo é para os cristãos hoje.
O próprio São Paulo se vangloriava de ter sido “circuncidado no oitavo dia; (que sou) da geração de Israel, da tribo de Benjamim, (nascido) hebreu de pais hebreus” (Fp 3, 5). A circuncisão distinguia os judeus dos gentios, que eram povos da incircuncisão.
A circuncisão de nosso Senhor, portanto, manifesta que ele é verdadeiramente homem, nascido de uma mulher na nação judaica, que ele veio redimir. Deus havia escolhido seu povo do Antigo Testamento para preparar o caminho para a encarnação de seu Filho, que seria seu Messias, seu ungido, que os libertaria de seus pecados e estabeleceria uma nova e definitiva aliança com eles.
A circuncisão de Cristo também tem um grande valor simbólico. Foi em sua circuncisão que ele derramou seu sangue pela primeira vez, prefigurando a perfuração de seu lado por um soldado enquanto estava pendurado na cruz (cf. Jo 19, 34). Ela prefigurava a água do batismo por meio da qual os cristãos entram na nova aliança. São Paulo escreve:
Também nele estais circuncidados com uma circuncisão não feita por mão de homem, mas que consiste no despojo do corpo da carne, (isto é) na circuncisão de Cristo. Tendo sido sepultados (para o pecado) com ele no batismo, com ele também ressuscitastes (para a vida da graça) mediante a fé na ação de Deus, que o ressuscitou dos mortos (Cl 2, 11-12).
Quando Cristo foi circuncidado, recebeu o nome de Jesus, que o anjo havia anunciado tanto a José (cf. Mt 1, 2) quanto a Maria (cf. Lc 1, 31). O nome Jesus significa salvador e, portanto, o anjo disse a José que a criança deveria se chamar Jesus “porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1, 21).
A festa da Circuncisão era celebrada no oitavo dia após o Natal e, portanto, em 1º de janeiro, desde os primeiros séculos. O Natal começou a ser celebrado em 25 de dezembro pelo menos a partir do século IV (cf. J. Flader, Question Time 1, Connor Court 2012, q. 141).
Como o dia 1º de janeiro era o início de um novo ano civil, a festa cristã tinha que competir com as festividades pagãs celebradas nesse dia, como acontece hoje. A festa da Circuncisão era celebrada no rito galicano desde o século VI e nos calendários bizantinos nos séculos VIII e IX. Enquanto a oitava do Natal era celebrada na mesma época, especialmente em Roma, a partir do século VII.
Embora a festa fosse da Circuncisão, os textos da Missa e do Ofício Divino passaram a incluir muitas referências a Nossa Senhora. Até 1960, o calendário romano celebrava em 1º de janeiro a Circuncisão e a Oitava da Natividade. No calendário revisado de 1960, o dia 1º de janeiro era chamado simplesmente de Oitava da Natividade.
Finalmente, no calendário romano de 1969, a festa se tornou a Solenidade de Maria, a Mãe de Deus, mas também é chamada de Oitava da Natividade.
É apropriado que celebremos a maternidade divina de Maria na oitava do Natal, quando celebramos o nascimento do Filho de Deus. A festa do Santo Nome de Jesus é celebrada em 3 de janeiro.
O Autor
O Padre Flader é um sacerdote nascido nos Estados Unidos que chegou à Austrália em 1968. Além de ex-diretor do Centro Católico de Educação de Adultos em Sydney, ele escreveu vários livros sobre diversos tópicos e conviveu diretamente com São Josemaria Escrivá quando estudou teologia na Universidade Romana da Santa Cruz em 1962.