Paternidade na era digital

Afinal, será que é uma boa ideia dar smartphones aos nossos filhos? Se sim, acaso há uma idade apropriada para isso? O texto abaixo é um relato bastante sincero de um pai que se deparou com esses dilemas tão preocupantes nos dias atuais, e decidiu tomar o caminho de maior resistência. Com certeza é uma tarefa particularmente difícil negar a nossos filhos algo que nós mesmo, muitas vezes, parecemos não ser capazes de viver sem. 

Jim Schroeder, National Catholic Register | Tradução: Equipe Instituto Newman


Um caminho incomum

Em agosto de 2020, os nossos filhos mais velhos (gêmeos), Zach e Emma, iniciaram o primeiro ano do ensino médio. Dois anos depois, o irmão deles, Matthew, se juntou a eles no ensino médio. Desde que começaram a frequentar o jardim de infância, minha esposa e eu conversávamos com eles sobre o mundo da mídia/tecnologia e tentávamos ajudá-los a entender os riscos e benefícios desse universo. E conforme eles avançavam na escola, explicávamos detalhadamente as razões para as nossas escolhas em relação ao acesso deles à tecnologia

Quando entraram no ensino médio, Zach e Emma eram os únicos (que sabíamos) sem um dispositivo móvel e certamente estavam entre os poucos sem contas nas redes sociais. Além disso, enquanto a maioria dos amigos deles possuía consoles de jogos em casa, eles só tinham disponíveis poucos jogos de computador bem simples. E apesar de terem acesso a alguns  recursos de bate-papo para interagir com os amigos, ficou claro desde o início que a experiência deles no ensino médio seria muito diferente da dos colegas.

Os meses e anos passaram, e as nossas conversas continuaram girando em torno das escolhas que estávamos fazendo para eles. E nem sempre eram amigáveis e concordantes, mesmo no silêncio. Mas a cada momento, continuamos explicando para eles porque nós, enquanto pais, estávamos tomando as decisões — não para sermos rígidos ou autoritários, mas sim porque sentíamos que era a melhor decisão para eles e para o futuro deles, do ponto de vista teológico, científico e experiencial. Sempre trabalhamos para encontrar maneiras de compensar as limitações na comunicação deles, seja estabelecendo diferentes atividades com amigos e famílias ou oferecendo maneiras alternativas (nem sempre bem-recebidas) de se manterem conectados com os amigos. Não foi nada fácil.

As diferenças digitais

Conforme nossos filhos seguiram ativamente envolvidos em esportes, atividades acadêmicas e sociais, eles descobriram que seus amigos passaram a aceitar as diferenças em seu estilo de vida, mesmo que às vezes tivessem que tolerar uma piada ou outra. Eventualmente os colegas e amigos entenderam que a decisão era nossa e não dos nossos filhos. A partir desse ponto,  parece que, assim como nossos filhos, eles também aprenderam a ser mais flexíveis na comunicação. E a vida seguiu em frente, assim como as atividades, compromissos e amizades deles. O que há alguns anos parecia ser um grande problema gradualmente se tornou parte da rotina, mesmo que às vezes a falta de um dispositivo ou de redes sociais fosse inconveniente (até mesmo para nós, pais).

E assim, num piscar de olhos, o último ano chegou, e recebemos uma ligação da orientadora escolar com notícias divertidas. Primeiro, Emma havia sido eleita para a corte do baile de formatura dos alunos do último ano, junto com seu irmão do segundo ano, Matthew. E não foi a primeira vez que recebemos essa notícia, pois na primavera anterior, Zach fez parte da corte dos alunos do penúltimo ano. 

Se a vida te dá limões…

Logo chegou a temporada de candidaturas às universidades. Naturalmente Emma teve que escrever suas redações de candidatura [1], uma comum para o pedido de aprovação e outras específicas relacionadas aos pedidos de bolsas de estudo. E como ela observou:

Fui encorajada a agir com intencionalidade. Por dezessete anos, não tive telefone ou redes sociais de qualquer tipo. Por mais estranho e constrangedor que tenha sido, percebi que agir com intencionalidade me permite viver com alegria natural e profundo senso de propósito, sem as distrações de um dispositivo. Desejo usar meu tempo com assuntos importantes, evitando, assim, a superficialidade que vem com estar constantemente conectado a um telefone ou rede social, e isso me permite buscar o meu eu autêntico. Por mais difícil que tenha sido, foi uma das partes mais recompensadoras e impactantes da minha vida.

Algumas semanas antes do baile de formatura, recebi um e-mail de um amigo próximo e a única outra pessoa da minha idade (além de mim) que não tem um dispositivo móvel. Como professor universitário em uma universidade local, ele faz parte de uma comissão que avalia as inscrições de alunos do último ano do ensino médio para uma das bolsas de estudo mais prestigiadas no estado de Indiana. Uma das perguntas do formulário de candidatura era: “Qual invenção você impediria de ser inventada?” Mais do que qualquer outra resposta, como bombas nucleares, poluentes ou qualquer outra coisa, duas respostas compunham a maioria das respostas: cigarros/vaping e mídia social/celulares.

A hora de deixá-los decidir

Em pouco tempo, nossos filhos mais velhos iniciarão seu último semestre do ensino médio. E deixamos claro para eles que, no Natal, ficaríamos felizes em comprar um dispositivo móvel para cada um deles: smartphone, celular simples ou algo assim. Eles mereceram isso. A menos de um ano antes de completar 18 anos, eles terão muitas decisões a tomar sobre como será a vida deles, não apenas em relação à faculdade, mas muito além disso. Enquanto pais de crianças prestes a cruzar o limiar oficial da idade adulta, estamos empolgados e nervosos com o que está por vir.

Não importa para onde eles sejam chamados, esperamos que não se distraiam com as cintilantes tendências do nosso mundo moderno e busquem uma existência intencional, autêntica e fiel. Se isso envolve ter um smartphone ou usar redes sociais, bem, isso fica a critério deles. Mas esperamos que, durante todo o tempo em que nos honraram com sua presença (como filhos de Deus) em nossa casa, tenham compreendido que os amamos o suficiente para tomar decisões que talvez não tenham sido populares e certamente não foram fáceis, mas estavam fundamentadas em honrar os seres divinos e belos que são. E esperamos que saibam, assim como outros pais com filhos logo atrás deles nos disseram, que, mesmo em meio à vergonha e inconveniência, foram líderes de uma revolução — a mais amorosa das revoluções.


O autor

Jim Schroeder, PhD, é vice-presidente do Departamento de Psicologia e Bem-Estar e diretor de treinamento do estágio pré-doutoral e da bolsa de pós-doutorado no Easterseals Rehabilitation Center em Evansville, Indiana. Ele mora lá com sua esposa, Amy, e seus oito filhos. Seu livro mais recente é Turning Free Will Into Willpower: The Opportunity of a Lifetime (Transformando o livre-arbítrio em força de vontade: a oportunidade de uma vida).

Referências
  1. Nota do tradutor: a aprovação nas Universidades estadunidenses é bem diferente da brasileira. O que se conhece como vestibular no Brasil é uma prova padronizada de aptidão que não contém redação. O candidatos enviam as redações, conhecidas como essays, por correspondência. Tratam-se de textos  nos quais eles relatam suas experiências de vida e justificam o motivo pelo qual merecem uma vaga, ou uma bolsa de estudos, em uma determinada universidade.      

 

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